
Quando olho para mim não me percebo
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
- Fernando Pessoa-
Colecionava tudo. Primeiro foram figurinhas, depois selos e por fim ausências. Um bom colecionador de ausências.
Começou na escola. A professora cobrava minha fala, mas eu tinha ausência no modo e no jeito de me pronunciar. Meu silêncio era uma corda de sisal que amarrava de forma precisa e incorruptível meu discurso; a escrita foi meu punhal, minha primeira arma. Por isso nunca me ocultei de meus crimes. Nunca neguei ausências, guardava-as.
Ausentava-me nos passos, a cabeça procurava o silêncio do chão. Era atingido por raios e relâmpagos, e as poças nas calçadas eram lâmpadas de aço que me lembravam a toda hora que eu não estava. Vez ou outra baixava o corpo para amarrar os cadarços e recolhia uma pedra: minha ausência mineral.
Lembro-me que também colecionei latas, que eram minha ausência de ferro no sangue, minha anemia e meu pouco peso; colecionei maços de cigarro de fumaças ancestrais: minha ausência de fôlego.
Descobri após algum tempo que poderia fabricar minhas próprias ausências, algumas de argila, outras de madeira, e outras de sonhos (de uma faina delicada) onde eu pudesse pôr qualquer despedida ou qualquer abraço negado.
Os marcadores de livros eram vários e variados, um tinha uma serpente de letras de uma cicuta incurável. Quando cansado da realidade abria um livro na página marcada e me ausentava em grandes navegações ou na derrubada de gigantes eólicos.
Eu era o que se podia chamar de um colecionador ideal, pois ignorava ser. Talvez por esquecer as horas e os ponteiros e me ausentar ao que me espreitava. E foi este, o tempo, que imperceptivelmente colecionava, que veio, por fim, ao meu encontro. Primeiro fingi não vê-lo. Adiava a infância pelas décadas e pelos compromissos: minha ausência temporal. Tampinhas de garrafa eram várias e variadas, e até hoje trago rugas no rosto para marcá-las.
Hoje, quando a noite mostra seus silêncios, e minha ausência de sono me coleciona, penso em meu primeiro punhal (que trago escondido sob as unhas) para que as madrugadas que me restam saibam que colecionei palavras e que nunca estive só, talvez ausente, mas nunca só.
Começou na escola. A professora cobrava minha fala, mas eu tinha ausência no modo e no jeito de me pronunciar. Meu silêncio era uma corda de sisal que amarrava de forma precisa e incorruptível meu discurso; a escrita foi meu punhal, minha primeira arma. Por isso nunca me ocultei de meus crimes. Nunca neguei ausências, guardava-as.
Ausentava-me nos passos, a cabeça procurava o silêncio do chão. Era atingido por raios e relâmpagos, e as poças nas calçadas eram lâmpadas de aço que me lembravam a toda hora que eu não estava. Vez ou outra baixava o corpo para amarrar os cadarços e recolhia uma pedra: minha ausência mineral.
Lembro-me que também colecionei latas, que eram minha ausência de ferro no sangue, minha anemia e meu pouco peso; colecionei maços de cigarro de fumaças ancestrais: minha ausência de fôlego.
Descobri após algum tempo que poderia fabricar minhas próprias ausências, algumas de argila, outras de madeira, e outras de sonhos (de uma faina delicada) onde eu pudesse pôr qualquer despedida ou qualquer abraço negado.
Os marcadores de livros eram vários e variados, um tinha uma serpente de letras de uma cicuta incurável. Quando cansado da realidade abria um livro na página marcada e me ausentava em grandes navegações ou na derrubada de gigantes eólicos.
Eu era o que se podia chamar de um colecionador ideal, pois ignorava ser. Talvez por esquecer as horas e os ponteiros e me ausentar ao que me espreitava. E foi este, o tempo, que imperceptivelmente colecionava, que veio, por fim, ao meu encontro. Primeiro fingi não vê-lo. Adiava a infância pelas décadas e pelos compromissos: minha ausência temporal. Tampinhas de garrafa eram várias e variadas, e até hoje trago rugas no rosto para marcá-las.
Hoje, quando a noite mostra seus silêncios, e minha ausência de sono me coleciona, penso em meu primeiro punhal (que trago escondido sob as unhas) para que as madrugadas que me restam saibam que colecionei palavras e que nunca estive só, talvez ausente, mas nunca só.
6 comentários:
Ausência, inevitável presença...
sábado é dia de perfume e muitas assinaturas... já reservei o dinheiro para meus exemplares :)
sua, minha, ou nossa ausência mineral, a pedra: se comer engorda?
sumiste?
queremos posts...
.
E ele colecionava também as nossas distâncias, ou estas estariam carregadas de um branco afeto que jamais lhe permitisse chamar 'ausências'?
Muito intrigante teu poema, de uma desnudez impressionate.
Vi-me nele alguns momentos...
" Colecionador de Ausências" é um pranto e um grito paradoxalmente.
Parabéns.
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